O Regulamento MiCA será uma realidade neste país em 2025, mas o sector financeiro já está a testar o Blockchain e a tomar medidas concretas em toda a Europa
A 6ª edição do fórum Blockchain & Ativos Digitais, organizado pelo El Confidencial em conjunto com a Allfunds, Grant Thornton, LaLiga, Metrovacesa e Mastercard, teve como um dos temas centrais a forma como a regulação afeta os mercados financeiros. Na sequência do anúncio de Montserrat Martínez, vice-presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), de que a aplicação do regulamento europeu sobre o mercado de criptoativos (MiCA) será antecipada em seis meses, para que possa ser implementado neste país em dezembro de 2025, foi tempo de ouvir a análise de especialistas e profissionais do sector.
Javier González, Chief Business Officer da Allfunds Blockchain, e Carol Lago, Diretora de Inovação do Blockchain & Crypto Lab da Grant Thornton, foram os primeiros a partilhar as suas ideias com o público. Por conseguinte, para o CBO da Allfunds, "esta tecnologia já não é algo a descobrir e, de facto, a indústria já passou essa fase. Vivemos um momento em que os casos de utilização devem dominar e a tecnologia deve permanecer subjacente". Carol Lago observou que "percorremos um longo caminho nos últimos meses e anos em termos de tokenização no ambiente financeiro, no entanto, os dois grandes desafios que continuam a ser abordados são a escalabilidade e a interoperabilidade".
A vice-presidente da CMVM, no seu discurso de abertura do fórum, destacou também o facto de a nova Lei dos Mercados de Valores Mobiliários e dos Serviços de Investimento introduzir como novidade a possibilidade de representar instrumentos financeiros através da tecnologia de livro-razão distribuído (DLT, em inglês). Foi precisamente este o tema que centrou a intervenção de Joaquim Matinero, advogado bancário-financeiro especializado em blockchain: "Para onde vamos a nível europeu? A França já tomou posição sobre o DLT, estudando autorizações para quando o MiCA entrar em vigor; na Alemanha há três projetos baseados neste formato; e na Irlanda, grandes empresas norte-americanas já entraram no mercado, atraídas pela regulamentação europeia, por ser a mais harmonizada e inovadora", afirmou. Em relação a este país, o advogado confirmou que estão em curso seis projetos de DLT.
As entidades tradicionais entram no "blockchain"
Os bancos também tiveram uma palavra a dizer no fórum. Alfonso Gómez, CEO do BBVA Suíça, um dos seus representantes, centrou a sua análise nos "três conceitos-chave" que, na sua opinião, a banca tradicional traz para o mundo dos ativos digitais: "Serviço, porque temos uma responsabilidade para com os nossos clientes; solidez, funcionando como um ponto de confiança e segurança para os investimentos; e segurança, uma vez que 3,8 mil milhões de dólares em criptoativos foram hackeados só em 2022".
Aurora Cuadros, diretora corporativa de Securities Services do Cecabank, concordou com esta reflexão, salientando que "todas as áreas relacionadas com a segurança estão a crescer a um ritmo muito elevado" entre as instituições tradicionais. Quanto ao papel dos bancos, afirmou que "as funções do depositário não se alterarão, mesmo que sejam tokenizadas, e continuaremos a desempenhar tarefas de controlo e supervisão, bem como a fornecer liquidez". Pelo contrário, reconheceu a necessidade de alterar o modelo de funcionamento: "Temos de incentivar novas formações e competências. É neste aspeto que nos estamos a concentrar neste momento, sempre de mãos dadas com o regulador para dar confiança aos investidores", sublinhou.
Relativamente ao grau de penetração, Sergio Fernández-Pacheco, CFO e COO da Azvalor Asset Management, afirmou que "esta tecnologia irá desenvolver-se desde que as empresas, os clientes e os investidores a vejam como algo positivo" e forneceu uma informação: "44% das empresas líderes que analisámos já estão a implementar processos de Blockchain". Carlos Salinas, Diretor de Ativos Digitais do Morabanc, afirmou que "o impacto desta tecnologia é horizontal em todas as nossas verticais de negócio", embora tenha acrescentado que "na banca privada existe uma procura cativa por parte dos clientes tradicionais que estão a assistir a esta transição à margem e, portanto, há um enorme nicho de negócio a explorar".
Testes na Europa e como garantir a identidade digital
Carole Michel, BNP Paribas Luxembourg - Fund Distribution Senior Global Product Manager, falou sobre o futuro do sector europeu dos fundos; Romain Devai, Allfunds France – Blockchain Business Development; e Mariano Giralt, MD no BNY Mellon European Bank (Madrid Branch).
Carole Michel descreveu os testes que a entidade que representa está atualmente a realizar e garantiu que "este é um primeiro passo em que já podemos ver que a blockchain é um novo canal de comunicação entre o investidor e o fundo". Porém, salientou também a importância do "sistema ainda antigo" e o facto de "ainda não estarem a ser testados tokens nativos, mas sim representações digitais de ações convencionais".
Embora Romain Devai tenha feito uma análise semelhante, o perito aproveitou a oportunidade para elogiar o Projeto-Piloto Europeu, porque "graças a este mecanismo, temos a possibilidade de tokenizar um fundo em qualquer país da UE. Trata-se de uma oportunidade única de criar condições equitativas e de poder emitir um token digital nativo, bem como de ter um mercado secundário que pode constituir uma nova forma de distribuição de fundos na Europa", afirmou.
Mariano Giralt centrou-se no aspeto fiscal e considerou-o "um dos principais desafios que se colocam a todos os administradores". "Hoje em dia", continuou, "quando um fundo espanhol investe em França, Itália, Reino Unido ou Alemanha, os procedimentos de retenção na fonte são muito diferentes e existem prazos e formalidades diferentes. Acreditamos, no entanto, que esta situação irá mudar com a tecnologia blockchain, uma vez que esta pode proporcionar uma experiência fantástica com maior rastreabilidade e transparência".
Por fim, os participantes no fórum - cerca de quatrocentas pessoas -, bem como todos os que seguiram o evento via streaming, puderam ouvir as abordagens à identidade digital e a sua relação com o mundo do investimento, apresentadas por Nacho Alamillo, conselheiro do Logalty Group, e Raúl López, diretor do Blockchain & Crypto Lab da Grant Thornton.
Para o primeiro, "a tecnologia atual já garante a confiança. Há exemplos de certificados plenamente operacionais. Contudo, o blockchain facilitará as operações de gestão e aliviará a carga de trabalho, proporcionando simultaneamente mais segurança". Na sua opinião, "as regras do poder vão mudar o mercado, mas a tecnologia tem de ser regulada", afirmou. Raúl López concordou que "implementar um sistema de identidade digital numa empresa não é difícil, o que é complicado é saber para que será utilizado e como pode ser escalado".